porque os que superam os demais em riqueza não gostam que os pobres
tenham uma parte igual no governo.
Em várias oligarquias, não é permitido aos ricos exercerem artes
lucrativas; há leis que o proíbem. Mas em Cartago, que é governada
democraticamente, estas profissões lhes são permitidas, e isto ainda não
causou nenhuma mudança naquela República.
Também é falso que a oligarquia contenha dois Estados, o dos ricos e o
dos pobres. Por que isso ocorreria mais nessa espécie de República do que na
Lacedemônia ou alguma outra, onde nem todos são iguais nem quanto aos bens
nem quanto ao mérito? Suponhamos que ninguém se torne mais pobre do que
antes, mas que a massa dos pobres aumente, a oligarquia não deixará de se ter
transformado em democracia; assim como a democracia se transformará em
oligarquia se houver mais ricos do que pobres e uns forem mais negligentes e
outros mais hábeis na busca de seus interesses.
Das diferentes causas de revolução, porém, Sócrates só trata de uma, a
saber, o empobrecimento pela prodigalidade ou pela usura, como se todos ou a
maioria tivessem sido ricos desde o começo, o que não é verdade. Vê-se que,
quando alguns dos principais dissiparam seus bens, pensam em novidades,
mas o mesmo não acontece com os demais. Eles não causam nenhuma
perturbação, e tampouco aspiram à democracia mais do que a qualquer outra
forma de governo. O que leva a sedições e a revoluções, mesmo entre aqueles
que não consumiram suas riquezas, é a exclusão dos cargos públicos, são os
outros tipos de injustiça, é a excessiva liberdade ou licença de fazer
impunemente tudo o que se quer. Assim, apesar da diversidade entre as
oligarquias e as democracias, Sócrates expõe as suas mudanças da mesma
maneira que se estas duas formas de governo pretendessem ambas à mesma
espécie.
As leis, que Platão escreveu depois, são aproximadamente do mesmo
gênero que A República. Portanto, basta que nos limitemos aqui a algumas
observações sobre a Constituição civil que delas resulta.
Sócrates, que Platão faz falar em sua República, não abordou senão
pouquíssimos pontos, como a comunidade das mulheres e dos filhos, a dos
bens e a distribuição dos poderes. Com efeito, ele divide a generalidade dos
habitantes em duas classes, a dos lavradores e a dos guerreiros, da qual ele
extrai uma terceira classe, que é a do Conselho, em que coloca a suprema
autoridade. Não diz se os lavradores e os artesãos são ou não admitidos em
alguma magistratura, nem se devem ter armas e tomar parte nos trabalhos de
guerra, ou deles serem afastados. Pretende, no entanto, que as mulheres sejam
guerreiras como seus maridos, e educadas nos mesmos exercícios que os
guardiães da nação: é na formação destes últimos que ele principalmente se
detém. O resto da discussão está cheio de inutilidades e de coisas acessórias.
Os livros das Leis, em sua maioria, só contêm disposições de detalhe e
quase nada sobre a forma de governo, a não ser quando, querendo oferecer
algo que possa convir a todos os Estados, pende imperceptivelmente para uma
outra espécie de República. Todavia, não há mudanças notáveis no que diz
respeito à comunidade de mulheres e de bens. O resto é quase o mesmo, a
mesma disciplina, a mesma incompatibilidade entre as funções honestas do
governo e do serviço público, por um lado, e os trabalhos necessários, mas
sórdidos, das artes mecânicas, por outro; as mesmas reuniões de comensais,
acrescentando, porém, banquetes para as mulheres, com a diferença de que,
numa de suas duas Repúblicas, há apenas mil guerreiros, ao passo que na outra
ele pretende ter cinco mil.
Todas as palavras que neste livro atribui a Sócrates são cheias de
superfluidades pomposas e de novidades problemáticas, cuja apologia talvez
fosse difícil fazer.
Para não falar na multidão com que compõe sua República, seria preciso
nada menos do que os campos de Babilônia ou de algum lugar igualmente vasto
para alimentar na ociosidade cinco mil homens numa cidade, com bandos bem
mais numerosos de mulheres e de criados. Em matéria de suposição, sem
dúvida, é permitido dar livre curso à imaginação, mas pelo menos nos devemos
deter nos limites do possível.
Sócrates diz também que o legislador, ao fazer suas leis, deve dirigir sua
atenção para duas coisas: o lugar e os homens. Seria preciso acrescentar a
circunvizinhança, se pretende que a Cidade conserve sua condição política.
Entre outras coisas, ela deve servir-se de armas, que são convenientes não
apenas dentro dela, mas que podem ser-lhe úteis em outra região. Se nem
todos aprovam essa força armada no interior para a defesa privada ou para o
serviço público, pelo menos é preciso que haja uma força formidável nas
fronteiras, para opô-la aos inimigos quando invadirem ou quando se retirarem.
Quanto aos patrimônios, não seria possível determinar melhor e mais
claramente sua extensão? "Cada um" - diz ele - "deve ter o suficiente para viver
frugalmente." É como se dissesse "para viver bem", mas a fórmula é muito vaga,
pois é possível ser frugal e miserável. Seria melhor ter explicitado: "para viver
frugalmente e na abastança", expressões das quais uma se assemelha ao luxo,
outra à pobreza, e, por conseguinte, caracterizam melhor os hábitos relativos ao
uso dos bens, ao qual não cabe nem fraqueza nem rigor, mas sim temperança e
liberalidade.
Existe também inconseqüência, ao introduzir a partilha igual dos bens,
em nada determinar sobre o número dos cidadãos e em não colocar nenhum
limite na proliferação, como se as esterilidades e as mortes devessem [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]